Medidas para reduzir impactos econômicos provenientes da pandemia Covid-19

Nas últimas semanas o Governo do Estado de São Paulo anunciou diversas medidas visando limitar a transmissão da Covid-19 na tentativa de conter o crescimento exponencial da contaminação.

Entre elas estão as determinações para a suspensão de atividades comerciais não essenciais, o que, apesar do justificado e desejado fim, certamente trará impacto significativo na economia, ainda de difícil mensuração.

Diante desta situação de incerteza, muitos têm se perguntado como lidar com o iminente cenário de inadimplência. O presente artigo cuida de abordar algumas medidas que podem ser tomadas nas relações privadas com o intuito de mitigar prejuízos.

Princípio basilar das relações contratuais é o da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), que determina que as partes devem rigorosamente cumprir aquilo a que se obrigaram contratualmente.

Esse princípio pode ser relativizado, entretanto, em situações imprevisíveis ou de onerosidade excessiva, quando analisado sistematicamente com os princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), da função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e do equilíbrio contratual (arts. 317, 478 e 479 também do Código Civil).

É incontestável que a conjuntura atual pode ser tida como um evento imprevisível e extraordinário, a permitir a relativização do princípio da força obrigatória dos contratos e sua consequente revisão, por força da aplicação dos artigos 317, 479 e 480 do Código Civil.

Dito isto, considerando o prejuízo em cadeia que uma situação de inadimplência prolongada pode criar, somos da opinião de que a melhor solução para esta crise é a adoção de medidas colaborativas baseadas na boa-fé e na solidariedade. Muito mais eficiente que a tomada de medidas judiciais, seja pelo devedor visando demonstrar a impossibilidade de honrar com a obrigação assumida, seja pelo credor visando compelir o cumprimento da obrigação, a disposição para a negociação e abertura para concessões mútuas nos parecem a melhor conduta.

Não só porque o Judiciário será afogado em demandas cuja solução virá de forma tão retardada que poderá ser inócua, como também porque eventuais medidas judiciais coercitivas próprias de processo de execução beneficiarão individualmente um credor específico, deixando vários outros à míngua de solução, assim permitindo desdobramentos nefastos em cascata.

Trazemos ao conhecimento dos leitores duas situações antagônicas que revelam como a boa-fé na conduta entre parceiros comerciais fará diferença na manutenção dos negócios e na própria conjuntura econômica.

Logo após o pronunciamento do Governo do Estado sobre a necessidade de isolamento social e a paralisação de atividades não essenciais, a empresa A encaminhou notificação à empresa B informando sua decisão unilateral de suspender o pagamento das mercadorias compradas e já recebidas da empresa B, apresentando como justificativa “alterações econômicas provocadas pela medida governamental”. O credor ficou na encruzilhada de assumir por ora esse prejuízo ou buscar a burocrática e custosa tutela jurisdicional, mas ainda não se sabe que atitude tomará.

Na nossa análise, é claro que o isolamento social provoca redução nas trocas econômicas, mas em atitude oportunista a empresa A encaminhou a notificação alguns dias após o pronunciamento do Governo, quando não seria possível àquela altura falar em prejuízos efetivos, impondo ao seu parceiro comercial uma decisão sua unilateral.

O fato de empresa A já ter recebido as mercadorias da empresa B é mais um elemento a demonstrar que a conduta adotada se afastou completamente daquilo que se preconiza como parâmetro negocial.

Aqui, a proposta de postergação do pagamento ou de parcelamento do valor devido seria muito mais adequada a manter a relação comercial íntegra, contornar as dificuldades comuns e evitar crise sistêmica.

Um tomador de serviço prestado de forma contínua, com pagamentos mensais, solicitou ao credor a suspensão do pagamento no mês de abril, primeiro mês após a determinação de isolamento social, com retomada dos pagamentos já a partir de maio, sem qualquer solução de continuidade na prestação do serviço. O credor aceitou a proposta.

A diferença entre as condutas adotadas na Situação 1 e 2 revela a intenção de valorizar a parceria comercial para após a superação desse momento sem precedentes na história mundial recente, além de indicar a veia colaborativa que o momento exige.

Nos parece que a estabilidade econômica depende de ações que vão muito além da promulgação de novas leis ou auxílios de curto prazo ao empresariado, em especial aos de médio e pequeno porte. É imprescindível a participação proativa, colaborativa e solidária de toda a sociedade e agentes econômicos.

No entanto, não será raro encontrar agentes que se utilizarão da pandemia de forma oportunista, suspendendo ou interrompendo unilateralmente obrigações contratuais, mesmo quando o espírito do momento clame pela atitude oposta de parceria e responsabilidade.

Em suma, espera-se que neste imprevisível e grave cenário, a atitude individual de cada agente paute-se pelo princípio da cooperação, da boa-fé e da solidariedade, com a adoção de medidas éticas que socorram a todos e permitam a continuidade das relações comerciais e de trabalho, assim mitigando o impacto social causado pela Covid-19.

Fani Lima e Isabella Caio

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