04/09/2020
Se você acha que todo advogado gosta de brigar, sinto lhe dizer, mas você está enganado.
Provavelmente essa sua percepção é decorrente da cultura da litigiosidade enraizada no Brasil, segundo a qual todos os conflitos devem ser levados ao Poder Judiciário, para que um juiz imponha uma decisão que geralmente agrada apenas uma das partes, quando não desagrada a ambas, seja pelo conteúdo seja pela intempestividade diante da morosidade processual.
No entanto, essa conduta considerada regra tem sido afetada por mudanças no pensar que passam pela análise sistêmica do conflito e das partes envolvidas, denunciando a necessidade de busca de soluções diferentes.
De fato, estamos vivenciando a necessidade de propagação da cultura da pacificação, na qual as partes cooperam e são auxiliadas para, juntas, estabelecerem diálogo, negociarem, discutirem e formularem a melhor solução para seu conflito, em total oposição à cultura da sentença explicada acima.
E o fomento dos advogados para essa mudança cultural é fundamental.
O Código de Processo Civil de 2015, que privilegia a cooperação e boa-fé entre as partes, estabelece que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito", no entanto, sempre que possível, o Estado deverá promover "a solução consensual dos conflitos":
Do ponto de vista dos advogados, deve-se compreender que é possível defender os interesses de seus clientes sem que seja necessária a interferência do Poder Judiciário. O próprio Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB estabelece no artigo 2º, parágrafo único, inciso VI, que é dever do advogado, figura indispensável à administração da Justiça, "estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios".
E o que vem a ser a Conciliação e a Mediação, de que muito se tem falado ultimamente?
Tanto a Conciliação como a Mediação são métodos de solução consensual de conflitos, nos quais um terceiro facilitador atua de forma neutra e imparcial, auxiliando as partes para que atinjam de forma autônoma a melhor solução de seus conflitos.
Tais institutos passaram a ser regulamentados pela legislação brasileira somente na última década, através da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, da Lei de Mediação nº 13.140/2015 e do Código de Processo Civil de 2015.
As principais diferenças entre os dois institutos está disposta nos parágrafos 2º e 3º do artigo 165 do Código de Processo Civil. Enquanto a Conciliação se propõe a solucionar conflitos a partir de sugestões que o conciliador faz aos envolvidos, a Mediação costuma ser mais utilizada em casos em que as partes possuam vínculo anterior, isto é, que já conversaram no passado, sobretudo nos conflitos de família, cabendo ao mediador auxiliá-las a reestabelecer a comunicação que foi perdida.
Segundo o relatório de atividades anual elaborado pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 2019 o percentual de acordos envolvendo sessões pré processuais e processuais em matérias cíveis foi de 40%, enquanto nos casos de família esse percentual sobe para 70%.
Nos casos envolvendo apenas Direito de Família, esse percentual é ainda maior. No ano de 2019, os acordos nas sessões processuais foi de 61%, enquanto que nas sessões pré processuais esse percentual atingiu 85%, o que demonstra que nem sempre o Poder Judiciário é o melhor caminho.
A Mediação é um instituto muito efetivo no Direito de Família, porque auxilia as partes a se comunicarem de forma produtiva, a fim de que as mensagens sejam transmitidas de uma parte para a outra, sem ruídos na comunicação. Além disso, a Mediação incentiva as partes, devidamente assessoradas por seus advogados, a assumirem o protagonismo das decisões. E nada mais adequado do elas mesmas definirem o que é melhor para sua família e, consequentemente, para os filhos em comum.
Segundo a psicanalista e professora Giselle Groeninga, a psicanálise define a família como "uma estrutura em que cada elemento ocupa um lugar e exerce uma função, necessariamente complementar às demais, em que os vínculos em vários interesses, sobretudo os afetivos, são complementares e a estrutura é marcada pela diferença entre gerações".
Para Groeninga, os impasses que chegam ao Judiciário são reflexos de famílias disfuncionais, cujas funções não estão sendo exercidas satisfatoriamente.
Cabe aqui uma ressalva. Todos sabemos que a vida é repleta de conflitos. Entretanto, há conflitos que se transformam e evoluem e outros que permanecem estagnados. Cabe a cada indivíduo escolher como prefere lidar com eles, sendo que no âmbito das famílias, é importante ter consciência de que a crise familiar atinge todos os seus membros, e por isso, as melhores decisões costumam ser as tomadas em conjunto.
Nesse contexto, a Mediação é instituto fundamental porque, com a ajuda de um terceiro facilitador, propõe entender os componentes das relações familiares, incentivando as partes a transformarem seus conflitos, e cooperarem para construírem uma decisão conjunta.
Desse modo, os métodos de solução consensual de conflitos, sobretudo a Conciliação e Mediação, são fundamentais para a difusão da cultura da pacificação e complementares à advocacia e à atividade jurisdicional, uma vez que não só buscam evitar a litigiosidade, desafogando o Judiciário, como também estimulam a boa-fé e a cooperação entre as partes.
A cultura da paz, uma tendência do mundo moderno, propõe uma mudança de mentalidade, voltada para o diálogo e pacificação social, tendo como consequência o “ganha-ganha”, onde as duas partes saem satisfeitas, uma vez que o conflito é resolvido de forma ampla, incluindo questões que
muitas vezes não são levadas ao processo, além da diminuição do número, da duração e dos custos dos processos judiciais.
Diante desse cenário, cabe não só ao Estado, como também à advocacia privada difundir esses métodos aos cidadãos, servidores e clientes, incentivando a autocomposição em oposição ao litígio, a fim de que todos os envolvidos saiam ganhando.
[1] “Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. (…)
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.”
[2] Relatório de Atividades 2019. Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.