Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves, o tempo não é uma grandeza alheia ao Direito. As principais manifestações da influência do tempo no Direito se relacionam com os institutos da prescrição e da decadência.
A decadência é, em suma, a impossibilidade de exercer um direito pela decorrência de tempo previsto; enquanto a prescrição significa a perda do direito de ação judicial para exercício de uma pretensão legítima.
Com a previsão desses institutos quer-se estabelecer hipóteses de segurança jurídica, isto é, sem prescrição e decadência “o proprietário jamais estaria seguro de seus direitos, e o devedor livre de pagar duas vezes a mesma dívida”.
No Código Civil os prazos para prescrição estão previstos nos artigos 205 e 206, estabelecendo prazos de 10, 5, 4, 3, 2 ou 1 ano (s), a depender do direito foi violado.
Atualmente, o artigo 206 determina prazos prescricionais que variam entre 1 e 5 anos de acordo com situações específicas e, nas demais hipóteses aplica-se o prazo geral de 10 (dez) anos previsto no artigo 205.
Para este trabalho, trataremos apenas das discussões envolvendo os prazos prescricionais e, especialmente, a sua aplicação no âmbito do direito imobiliário, sobretudo nas relações entre adquirentes de unidades autônomas e os fornecedores, sejam construtoras ou incorporadoras.
Isto é, a depender da espécie de condenação judicial que o adquirente do imóvel pretende impor à construtora/incorporadora, quais os prazos que devem ser observados para propositura da ação judicial?
Diante da importância que o setor imobiliário tem representado para a economia nacional, com PIB variando de 5.3 milhões a 6.5 milhões de reais, entre 2013 e 2017, é natural que o aquecimento do setor seja acompanhado de vertiginoso aumento de ações judiciais para elucidar controvérsias entre as construtoras e/ou incorporadoras e os adquirentes das unidades produzidas, o que ensejou o julgamento de diversos precedentes impositivos pelo Superior Tribunal de Justiça.
Portanto, adicionem-se a essa temática prescricional mais duas controvérsias:
1. Pode o adquirente de um imóvel pleitear em face da construtora que incidiu em atraso na entrega do imóvel, concomitantemente, a condenação no pagamento da multa pelo atraso (cláusula penal moratória) e os danos materiais incorridos por ocasião do atraso (lucros cessantes e perdas e danos)?
E também:
2. Pode o juiz inverter em favor do adquirente a multa prevista exclusivamente para o consumidor caso a construtora incorra em atraso na entrega da obra?
De início, esclareça-se que o Superior Tribunal de Justiça, tribunal responsável pela uniformização da aplicação da legislação em território nacional, decidiu, em 08 de maio deste ano, pela impossibilidade de cumulação da cláusula penal moratória com os eventuais lucros cessantes, fixando a seguinte tese:
“A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação e, em regra, estabelecido em valor equivalente ao locativo, afasta sua cumulação com lucros cessantes.”
Com efeito, já havia precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o pedido dos adquirentes de condenação das construtoras/incorporadoras no pagamento de multa pelo atraso e de lucros cessantes violaria o sistema jurídico na medida em que o Código Civil já estabelecia que “não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente”.
Diga-se, apenas na hipótese de o contrato firmado entre as partes prever a possibilidade de cumulação de cláusula penal com indenização suplementar é que se autorizaria a condenação das construtoras e incorporadoras ao pagamento dos lucros cessantes.
Na ausência de previsão contratual neste sentido, não há como impor ao fornecedor a condenação ao pagamento desse prejuízo concomitantemente ao pagamento da multa estabelecida pelo atraso, o que ensejaria enriquecimento ilícito do consumidor.
Por ocasião do julgamento do recurso repetitivo, o entendimento deve ser aplicado por todos os tribunais, inclusive em primeira instância.
Outro julgamento de grande relevância diz respeito à possibilidade de inversão da cláusula penal prevista em contrato apenas em benefício da construtora/incorporadora de forma que o adquirente seja favorecido com a aplicação dos mesmos parâmetros contratuais na hipótese de inadimplemento do fornecedor.
É muito comum que os contratos ou compromissos particulares de venda e compra de unidades autônomas prevejam apenas a possibilidade de cláusula penal (multa) para o adquirente que não efetue o pagamento da parcela devida no vencimento estipulado.
Diante da ausência de previsão de cláusula penal na hipótese em que a construtora/incorporadora atrasasse a entrega do imóvel, considerando Parágrafo único do art. 416. inclusive a cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, o Superior Tribunal de Justiça entendeu abusiva a previsão unilateral de imposição de multa e autorizou utilizar o mesmo parâmetro estabelecido no contrato em desfavor da construtora/incorporadora para beneficiar o consumidor.
Foi fixada, portanto, a seguinte tese:
“No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.”
Em resumo, as teses estabelecidas pelo Superior Tribunal de Justiça, que devem obrigatoriamente ser observadas por todo nas instâncias inferiores, são (i) o adquirente não pode ajuizar ação pleiteando concomitantemente a cláusula penal e os lucros cessantes, devendo escolher entre os pedidos, e (ii) o adquirente pode propor ação judicial buscando a condenação da construtora/incorporadora em pagamento de multa moratória pelos mesmos critérios fixados contratualmente para a hipótese de inadimplemento do adquirente, se o contrato for silente quanto ao inadimplemento da construtora/incorporadora.
Desta forma, sabendo da fixação destes entendimentos, a próxima questão a ser esclarecida é: qual o prazo prescricional para os adquirentes ajuizarem as ações objetivando essas condenações?
Há aproximadamente 01 (um) ano, o Superior Tribunal de Justiça, também por meio de julgamento pela 2ª Seção, fixou os prazos de 10 (dez) anos para prescrição de ações referentes à responsabilidade civil contratual e de 3 (três) anos para responsabilidade civil extracontratual.
Antes de adentrar na discussão sobre a aplicação dos prazos prescricionais às teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça, vale esclarecer brevemente sobre o que se trata o instituto da responsabilidade civil e as suas modalidades: contratual e extracontratual.
A responsabilidade civil está regulamentada pelos artigos 186 e 187, bem como pelos artigos 927 a 954 do Código Civil e consiste, em resumo, no dever de reparar o dano causado a outrem se demonstrada a presença dos requisitos legais, quais sejam: a ocorrência de ato ilícito, a existência de um dano e o liame entre o ato praticado e o dano ocorrido, além do elemento subjetivo culpa, lembrando sempre da responsabilidade civil objetiva, com rol legal taxativo, em que o elemento culpa é dispensado.
A responsabilidade civil pode ter origem contratual ou extracontratual. Fala-se em responsabilidade contratual quando o prejuízo causado tem origem em relação contratual, ao passo que a responsabilidade extracontratual se origina de infração de dever de conduta imposto genericamente.
Quanto às relações imobiliárias, há precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido de que tanto a cláusula penal quanto os lucros cessantes se inserem na modalidade de responsabilidade civil contratual, de forma que o prazo prescricional aplicável seria aquele de 10 anos, na esteira da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, também o próprio Superior Tribunal de Justiça destacou que se aplica ao acessório o mesmo tratamento jurídico do principal, quer dizer, aplica-se às perdas e danos e lucros cessantes o mesmo prazo prescricional decenal para a ação que discutir a cláusula penal.
Por fim, vale a pena lembrar dos danos morais. Muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha proferido precedente no sentido que os danos morais não podem ser presumidos na hipótese de atraso de entrega de imóvel, diante de situações excepcionais é possível que o Tribunal reconheça essa violação ao direito à personalidade.
E, no mesmo caminho trilhado para os danos materiais, os precedentes da Corte Superior indicam que o prazo prescricional para pleitear os danos morais também seja de 10 anos, uma vez que são entendidos como danos oriundos do atraso na entrega do imóvel, que seria a obrigação principal.
No entanto, vale ressaltar que há outro precedente de primeira relevância sustentando que “a demora na busca da reparação do dano moral é fator influente na fixação do quantum indenizatório, a fazer obrigatória a consideração do tempo decorrido entre o fato danoso e a propositura da ação”
Isto é, a despeito de o prazo prescricional ser decenal, permitindo ao adquirente ajuizar a ação em até 10 anos após a entrega do imóvel, é evidente que quanto maior a demora para o ajuizamento haverá, proporcionalmente, o decréscimo do valor a ser arbitrado judicialmente.
Conclusão.
Diante dos precedentes que devem obrigatoriamente ser aplicados por todo o judiciário, inclusive os juízes de primeira instância e dos juizados especiais, tem-se que:
(1) os adquirentes das unidades autônomas não poderão formular pedidos concomitantes de condenação da construtora/incorporadora no pagamento de multa moratória e de lucros cessantes, devendo optar entre um e outro; e
(2) na hipótese de atraso na entrega do imóvel, se o contrato firmado entre as partes não prever penalidade específica para a construtora/incorporadora, é possível que a cláusula penal em desfavor do adquirente na hipótese de atraso
ou não pagamento das parcelas seja aplicada inversamente, ou seja, em desfavor do fornecedor.
E, também, em qualquer das hipóteses citadas, o prazo prescricional para que os adquirentes promovam ação judicial será de 10 anos, até que sobrevenha alteração de entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça.
Carlos Roberto Gonçalves. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral – de acordo com a Lei n. 12.874/2013. 12ª edição – São Paulo: Saraiva. 2014.
Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1641037 / SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Dje 16/12/2016.
Superior Tribunal de Justiça, EREsp n. 526.299-PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, DJe de 5/2/2009.
Superior Tribunal de Justiça, EREsp n. 1.281.594-SP, Rel. Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. 15/05/2019.
Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3o, p. 95-132, jan./jun. 1961.
Superior Tribunal de Justiça, EREsp n. 1.280.825-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe. 02/05/2018.